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Fundamental para a cultura e a culinária do povo Baniwa do Brasil, a pimenta jiquitaia é um tempero picante que agora proporciona à comunidade uma renda sustentável. A maioria das mercearias pode ter três ou quatro tipos de pimentas. Já a comunidade indígena baniwa, na bacia do rio Içana, no Amazonas, tem pelo menos 74.
Desde o cultivo das pimentas até a rotulagem e manejo das Casas da Pimenta, o trabalho das mulheres sustenta a produção da pimenta jiquitaia, que está se expandindo no mercado doméstico e internacional.
As mulheres baniwa do Alto Rio Negro (AM) lideram a produção de sua pimenta tradicional, a pimenta Baniwa Jiquitaia. Sua força foi demonstrada na inauguração da Casa Comunitária do Canadá, no Rio Ayari, em maio de 2018. Desde a criação das pimentas até sua rotulagem, envase e manejo das Casas da Pimenta, o trabalho das mulheres sustenta a produção da jiquitaia, que está em plena expansão, e ajuda as comunidades a resistirem às ameaças e pressões sobre suas terras.
Jiquitaia, a pimenta do Brasil
No meio da Amazônia, existe uma pequena espécie de formiga raivosa, cuja picada queima bastante, ela é conhecida como jiquitaia. Por esse motivo, surgiu a designação da pimenta desenvolvida pela população indígena baniwa.
Diferentemente do que se está acostumado, essa pimenta não se encontra em molhos enlatados e nem em formas de condimentos em conserva. Ela está mais para um tipo de tempero em pó.
Produção da pimenta jiquitaia
Em relação ao preparo da pimenta jiquitaia, utiliza-se praticamente 12 espécies variadas de pimenta amazônica, de um geral de 74 tipos existentes na família Capsicum frutenscens (família do tabasco). Essas pimentas são colhidas, repartidas e colocadas no sol para secarem, por aproximadamente 5 dias.
Posteriormente elas serão piladas e moídas manualmente, até se tornarem pó, no que é acrescido uma pequena porção de sal.
Tradicionalmente, as mulheres reúnem pimentas todos os dias para prepararem para suas famílias, envolvendo os delicados frutos em folhas de embaúba aveludadas. Eles então colocam as pimentas ao sol para secar, os pequenos inteiros e os grandes picados, por até duas semanas.
Os misturadores de especiarias moem as pimentas secas com um almofariz e pilão de madeira, para então em seguida, misturar o pó com sal.
O condimento quente resultante combina perfeitamente com o peixe, a fonte de proteína mais importante do baniwa e seu principal uso para o tempero, embora sua crescente popularidade tenha inspirado chefs a usá-lo em saladas, massas, carnes grelhadas e muito mais.
Exportando o jiquitaia para o mundo
O produto tem um gosto muitíssimo intenso, e sua qualidade tem encantado chefs de cozinha de diversos locais no Brasil e no exterior. Alex Atala, famoso chefe brasileiro, foi um dos encarregados pela popularização da pimenta.
A organização fundada por Atala, o Instituto ATA, também ajudou a financiar a iniciativa, arrecadando verba no auxílio aos indígenas locais na sua produção. Ajudando também vender o produto em todo o Brasil, inclusive no Mercado de Pinheiros, em São Paulo.
Graças a esse aporte, a produtividade só aumenta, atingindo uma distribuição em larga escala no mundo todo. Os vidros de 35ml chegam a ser comercializados por 35 reais a unidade. E o mais encantador, é que um vidro é diferente do outro.
Isso ocorre por que cada uma das mulheres baniwa, possui um modo especial de fazer jiquitaia, que aprenderam através das gerações de mulheres da família. Da mesma forma, cada vidro estará diferenciado por uma etiqueta contendo um código no rótulo, que indicará a comunidade que foi produzida, o lote e o dia do embalamento. Cada vidro, então, será uma criação única.
As Casas da Pimenta
A rede de Casas de Pimenta cresce a cada ano pelo trabalho e esforço da comunidade baniwa, que visa a ampliação e melhoria socioambiental de sua ampla e diversificada área de ocupação.
A primeira Casa da Pimenta da comunidade indígena baniwa foi criada em janeiro de 2013. Essa sede fica localizada nas proximidades de Tunuí Cachoeira. No ano seguinte, a segunda casa entrou em atividade na comunidade de Ucuqui Cachoeira, no Alto Rio Aiari.
Posteriormente foram inauguradas mais duas no ano de 2015, na Escola Pamaáli e na comunidade Yamado, as margens do Rio Negro, frente a cidade São Gabriel da Cachoeira.
Sucesso de vendas
Atualmente, coletivos de mulheres baniwa estão transformando sua culinária tradicional em um empreendimento moderno e sustentável. Esses esforços incluem a Casa da Pimenta Takairo, que processa e distribui pimentas cultivadas por até 25 famílias na área.
Entre 2012 e 2017, foram vendidos mais de 20 mil potes de pimenta jiquitaia. O dinheiro é repassado, na íntegra, para as famílias que fazem o trabalho e os administradores da Rede Casas da Pimenta.
Felizmente, enquanto o tempero agora está sendo exportado para o mundo todo, e sua produção permanece firmemente nas mãos capazes das mulheres baniwa. Elas vêm fazendo a pimenta jiquitaia há séculos, e suas vidas estão entrelaçadas com os emaranhados verdes de suas plantas de pimenta.
Patrimônio brasileiro
Desenvolvida de forma rudimentar pelas artesãs da comunidade baniwa nas margens do rio Aiari, em virtude da modernização e a chegada da internet, hoje é possível conseguir essa especiaria em comércios específicos. Assim como em sites e lojas virtuais, este que é um verdadeiro patrimônio da culinária brasileira.
E não é exagero chamá-lo de patrimônio. Em 2010, o Sistema Agrícola do Rio Negro foi declarado Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN.
De corpo e alma
As pimentas ocupam há muito tempo um lugar de destaque na cultura, agricultura e culinária dos baniwa. De acordo com a lenda local, o grande herói mítico Ñapirikoli levou pimenta à batalha com ele como escudo, espada e poder.
Ele apresentou pimenta à humanidade quando, temendo que fosse envenenado em um jantar com seus rivais, polvilhou pimenta sobre o peixe que estava sendo servido para se proteger antes de comer. Os baniwa também usaram pimenta para fortalecer e curar o corpo.
A pimenta jiquitaia também desempenha um papel nas cerimônias de amadurecimento dos baniwa. Durante esses rituais, os jovens comerão, depois de um período de jejum e preparação espiritual, pimentas abençoadas pelos mais velhos para significar que entraram no mundo adulto.